O SENHOR ZARA

Os bastidores da empresa que revolucionou o mundo da moda são revelados no livro De Zero a Zara*. Dois jornalistas, Xabier Blanco e Jesús Salgado, fazem o retrato da Inditex e de Amancio Ortega Gaona, o homem que está por detrás deste império.

O homem... ... discreto e misterioso “Até Setembro de 1999 nem sequer se conhecia o seu aspecto.” “No dia 15 (...), na sétima página do primeiro estudo sobre a Inditex, matriz da Zara, Amancio Ortega Gaona mostrava a sua cara aos que não o conheciam, aos que duvidavam da sua existência e aos muitos que diziam conhecê-lo sem poder reconhecê-lo.” ... de espírito trabalhador “[A responsabilidade] o levou, aos catorze anos, a abandonar o enredo das letras para se empregar na ilustre camisaria Gala, uma vez que a família decidiu que [a irmã] Josefa (Pepita) fizesse o curso Comercial. Eram tempos em que só estudavam as classes com posses e nas famílias com menos possibilidades só um o fazia.” “ (...) Limpava as montras, levava os pacotes e atendia ao balcão quando havia muita urgência.” “ (...) abandonou com dezassete anos a camisaria para ir ao encontro dos seus irmãos Antonio e Pepita na loja de confecção La Maja. Ali conheceu Rosalía Mera, que acabaria por ser a sua primeira esposa. La Maja pode considerar-se a escola da Zara e o novelo da Inditex.” À esquerda a humilde casa em Busdongo, onde se diz ter nascido um dos homens mais ricos do mundo, ao lado La Maja, a loja que foi a escola da Zara e o novelo da Inditex. Em baixo, as empregadas dessa loja: Rosalía Mera, a primeira mulher de Ortega, é a primeira da esquerda. A camisaria Gala, onde Amancio trabalhou aos 14 anos, como paquete. ... que se torna um workaholic “É dos primeiros a chegar à empresa. ‘Eu entro às 9.30h e ele já está lá. Saio às 19h e ele continua na secção de senhoras’, afirma uma empregada que trabalha sempre ao lado do chefe.” “Não faz uma pausa nem a concede aos outros. Quando (...) faz quinze dias de férias, na Inditex fazem apostas sobre quanto tempo poderá sobreviver afastado do trabalho. ‘Passado três dias, desiste. Não falha’, comenta um dos que ganha quase sempre a aposta.” ... e o amor “Amancio Ortega e Rosalía Mera (...) casaram-se a 7 de Agosto de 1966, (...) tiveram dois filhos – Sandra e Marcos (este nasceu com uma deficiência psíquica) – e divorciaram-se por mútuo acordo em 1986 depois de vinte anos de casamento católico. Amancio voltou a casar-se. Fê-lo em 2002 com Flora Pérez Marcote, ex-empregada da Zara. Com a sua segunda mulher tem uma filha, Marta, que nasceu em 1983.” “Regressa à rua Torreiro [onde tinha aberto uma loja – a Sprint – que não chegou a vingar] em 1975 (...). Agora, meia rua (...) É nesta Zara, na Torreiro, que tropeça outra vez com o amor. Enamora-se de Flora Pérez Marcote, a encarregada da sua loja preferida.” “Um ano depois [da morte do irmão], enxuga a dor casando-se no seu Paço de Anceis com Flora Pérez Marcote. (...) Flori é uma pessoa simples. Também não é dada a ostentações. Os que a conhecem definem-na como uma mulher alegre e desperta.” ... e a família “O pai, ferroviário de profissão, tinha sido destinado a Busdongo em Janeiro de 1935 para ocupar o posto de montador de encravos, tarefa que estava a desempenhar desde o seu ingresso na companhia (...).” “O avô materno, Antonio Gaona Zamora, foi também o que se conhece como ‘um homem que se fez a si próprio’. Não sabia ler nem escrever e construiu a partir do ofício de pedreiro um pequeno império. ‘Amancio será muito vivo, mas o avô era como um lagarto’, afirma um vizinho.” “A 13 de Janeiro de 1987, a morte surpreende o seu irmão Antonio, vítima de um cancro ósseo, com cinquenta e nove anos, dois anos antes de a empresa por que lutou ter dado o salto internacional (...). Amancio fica destroçado. A dor impede-o de ir ao enterro.” “(...) os laços de sangue jogam um papel fundamental no desenvolvimento da Inditex, e estes, longe de se estreitarem, vão-se ampliando à medida que a dinastia aumenta no número de membros. É claro que dos Ortega Gaona e seus sequazes só não trabalha na Inditex quem não quiser. ... mais rico de Espanha “A revista Forbes calcula que a fortuna de Amancio Ortega é de 10 300 milhões de dólares, que o convertem no décimo oitavo homem mais rico do mundo, o quinto mais abastado da Europa e o espanhol com mais meios.” “Os seus caprichos consistem num moderno jet Bombardier, adquirido no ano 2000 por 5200 milhões de pesetas; um iate atracado em Sanxenxo, o Valoria, que mal sai do porto; e o Paço de boa linhagem de O Drozo, como segunda vivenda, (...) a uns doze quilómetros da Corunha. Em cima, à esquerda, Flora Pérez, a segunda mulher de Amancio com a filha da infanta Helena, Victoria Frederica. Ao lado, a primeira mulher de Amancio. Em meio, Maria Dolores e Josefa Ortega, a sobrinha e a irmã de Amancio Ortega. Em baixo, o fundador da Zara com a filha mais nova, Marta Ortega, fruto do seu casamento com Flora. A empresa... ... como tudo começou “(...) decidiu-se que seriam Rosalía e Primitiva – a mulher de Antonio (...) – que coseriam as peças. Os homens encarregar-se-iam de colocar o produto nas lojas da cidade como nas do Norte de Espanha. (...) Tratava-se de fazer dois negócios na mesma viagem. O de La Maja e o que começava a nascer. Por tentar não havia nada a perder. Só Rosalía abandonou La Maja nos inícios de GOA, nome escolhido pela primeira empresa com o selo de Ortega.” “(...) a primeira peça (...) foi uma alcofa para abrigar bebés. Mas Amancio detecta um dia que as clientes ficam com os olhos presos num robe da montra de La Maja, onde, nessa altura, ainda continuava a trabalhar. Assim, decide começar a fabricar robes mas em vez de fixar o preço em função dos custos de confecção, decide adaptar estes últimos à quantidade de peças que pretende vender. Pura filosofia Zara.” “A ideia começa a agradar, o negócio a crescer e em menos de um ano o rés--do-chão da rua San Rosendo torna-se pequeno (...) Muda-se (...) para o rés- -do-chão do número 61 da rua Noia, onde já podem trabalhar quase trinta empregadas no robe que ia significar o arranque do negócio. ‘GOA fez uns robes com corte, com desenho; eram como um casaco bonito. E assim, em meados e finais dos anos setenta, saíam milhares de mulheres à rua de robe.’” “(...) não foi visionário apenas por dar uma pincelada de desenho no robe. Muitas senhoras de grandes volumes contemplam com inveja os robes de acolchoado que elas não conseguem vestir. Decide fabricar os tamanhos ‘e’ e ‘duplo e’, isto é, tamanho especial e duplo especial. Foi um êxito rotundo que significou a instauração da democracia no mundo da moda.” “GOA já tem a maquinaria perfeitamente oleada e o rés-do-chão da rua Noia também é pequeno. Em meados dos anos 70, transferem a marca para La Moura, na zona industrial de A Grela e cria a Samlor, que se dedica à confecção de peças de vestuário como casacos e calças.” “A oficina da rua Noia converte-se num laboratório. Se uma marca funciona, passa para a Moura e em seguida para a zona industrial de Sabón [em Arteixo].” “Amancio Ortega já era dono de um império. Só lhe faltava vender os seus próprios produtos para que todo o valor acrescentado ficasse em casa. Tinha vinte e sete anos quando montou a GOA e estava prestes a atingir trinta e nove quando decidiu abrir a sua primeira loja. Já era rico.” ... nasce a Zara “A 15 de Maio de 1975, (...) inaugura a primeira loja Zara (...), a duzentos metros da camisaria Gala, em plena charneira da cidade.” “Os preços são irrisórios e compensam que o tecido só resista uma temporada. ‘Ele marcava com uma margem muito pequena, com 40 por cento, quando todos o faziam a 70 e até a 80 por cento. (...) Todos lhe apontavam o dedo porque a coisa era interpretada como concorrência desleal’, conta Javier Barral, que actualmente possui a boutique Stlylmar em Vigo e desenha para Adolfo Domínguez. “[Convidar um decorador de montras para se juntar à aventura] Significou o arranque definitivo, coisa que o próprio chefe chega a reconhecer: ‘90 por cento das vendas são da montra.’ (...) Foi a partir desse decorador (...) que começou realmente a expansão da Zara.” ... a Inditex na Bolsa “(...) a entrada na Bolsa tinha um objectivo claro: que a continuidade da Inditex não dependa do ciclo biológico do seu fundador e que a sua obra possa manter uma aceleração constante, de acordo com esse ritmo imparável, inesgotável, susceptível de promover de vez em quando a inauguração de três lojas por semana.” “O valor da companhia disparou dos 1,52 biliões de pesetas para os 1,87 biliões, o que a convertia na oitava companhia espanhola por capitalização bolsista.(...) Pela primeira vez vê-se um homem emocionado, dizem alguns empregados. Naquela mesma manhã confessou a um banqueiro amigo que o acompanhava que nunca tinha imaginado possível que o que estava a viver pudesse acontecer.” “Com esta operação, Ortega, graças ao mercado de capitais, activou oficialmente a maior fortuna pessoal da Bolsa de Valores espanhola ao contabilizar mais de 1 bilião de pesetas em acções.” ... a receita de sucesso “Amancio Ortega entrou no jogo da moda com regras diferentes e rompeu os esquemas tradicionais, porque ‘enquanto que para a maioria dos empresários do sector as mudanças de modas significam problemas, para a Inditex são oportunidades.” “[Reeducaram os seus clientes] Ensinaram-nos a comprar de uma determinada forma, sabem que duas vezes por semana há modelos novos, que tudo o que é exposto está em contínuo movimento(...).” “[A Inditex] Sabe em cada momento o que mexe na moda, como vestem os clientes de um determinado bairro de Madrid ou de Paris. (...) O cruzamento de toda essa informação permite- -lhes saber qual é a peça maioritariamente procurada pelos clientes.” Em cima, à esquerda, o sobrinho e possível sucessor, Juan Carlos Rodríguez Cebrián. Em baixo, José Maria Castellano, Juan Carlos Rodríguez Cebrián e Carlos Espinosa de los Monteros, em Madrid, no dia da entrada da Inditex na Bolsa. Ao lado e em baixo, à esquerda: a rapidez de etiquetagem e de entrega das mercadorias em todo o mundo são um dos grandes trunfos da empresa. ... as costureiras galegas e portuguesas “(...) há que procurar os verdadeiros autores do milagre do Grupo ‘nas pequenas fábricas concebidas unicamente como um instrumento de alta produtividade a baixo custo…’, nestas fábricas, dizem [sociólogos galegos], ‘força-se os empregados a trabalhar em péssimas condições’.” “A relação laboral da Inditex com estes trabalhadores não existe. A Inditex oferece trabalho de empreitada a centenas de pequenas fábricas sem adoptar perante estas qualquer compromisso. Assim, o imenso polvo têxtil impõe condições a mais de quinze mil pessoas que trabalham numa das duas mil sociedades independentes que funcionam na Galiza e no Norte de Portugal. É nesta rede que recai a parte mais pesada do milagre Inditex, independentemente das condições em que produzem (...).” ... a sucessão “Há (...) rumores que referem que como o império foi feito por ele, também acabará com ele.” “Juan Carlos Rodríguez Cebrián, ‘director de tudo’, sobrinho por afinidade de Amancio [é] o seu sucessor em potência, segundo asseguram os decifradores das chaves que o ‘chefe’ maquina no seu pensamento.” “Por ocasião do anúncio da criação da Fundação Amancio Ortega, [o próprio] disse publicamente que embora adorasse os seus filhos, e por isso mesmo tinha previsto que as suas necessidades económicas estivessem sempre cobertas, não lhes ia deixar a empresa, ainda que desfrutassem dos direitos económicos.” ... a estrutura do grupo “A Inditex, SA é um grupo internacional de distribuição de moda integrado pelas cadeias de lojas Zara, Pull & Bear, Massimo Dutti, Bershka, Stradivarius, Kiddy’s Class, Oysho e Zara Home. No fecho do exercício fiscal de 2002, o Grupo Inditex tinha abertas 1567 lojas em quarenta e seis países, das quais 85 por cento eram-no em regime de gestão própria e 15 por cento correspondiam a franchising ou joint venture.” “Em Novembro de 2005, o Grupo (...) integra mais de 40 000 profissionais. (...) Quase 90 por cento são mulheres, que ocupam mais de 60 por cento dos cargos dirigentes, técnicos e de gestão. Retrato de um império Dois jornalistas fazem o retrato do protagonista Amancio Ortega Gaona e desbravam os números de uma empresa que “veste meio mundo e tem o outro meio no ponto de mira com uma posição inovadora”. “Um homem que começou do zero e acabou em Zara”, escreveram.